O Grupo de Futebol dos Empregados do Comércio de Santarém,
ou “Os Caixeiros” como é mais conhecido, tem andado nas bocas do mundo, muito
por culpa do Teqball – um desporto recente, em crescimento exponencial, e que
rematou o modesto clube escalabitano para
o panorama mundial da modalidade.
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Para quem ainda não conhece a modalidade, é quase um ténis
de mesa jogado com uma bola de futebol, mas numa mesa curvada para permitir que
a bola ressalte e chegue ao campo adversário. Joga-se em pares (masculinos,
femininos e mistos) ou sozinho.
As suas origens remontam a 2014, quando três entusiastas de
futebol da Hungria (o ex-futebolista Gábor Borsányi, Gyorgy Gattyán e Viktor
Huszar) começaram a jogar futebol numa mesa de ping-pong. Ao perceberem que a
mesa ser plana dificultava a bola chegar ao outro lado por não ressaltar,
desenharam a primeira mesa de teqball com uma curvatura descendente para
facilitar o ressalto da bola.
O jogo popularizou-se e em outubro de 2016 foi apresentado
em Budapeste, tendo como grande embaixador o ex-jogador Ronaldinho Gaúcho,
considerado pelas massas do futebol como um dos melhores de sempre.
Com vários atletas a disputar provas do circuito mundial da
modalidade e com cerca de 40 atletas inscritos, os “Caixeiros” está no dentro
do top3 de clubes no mundo com mais atletas inscritos. Conta com vários títulos
nacionais e internacionais e é um dos clubes mais acarinhados no mundo do
teqball.
Esta excelência deve-se, além do compromisso e dedicação dos
atletas que competem com a camisola dos Caixeiros, a Rui Leitão – um dos
precursores da modalidade em Portugal e em Santarém.
Aos 52 anos é atleta dos Caixeiros, está no ranking 83
mundial de duplas, e é diretor na Federação Internacional de Teqball (FITEQ).
Entrou na modalidade em 2019 a convite da Federação Teqball de Portugal para
desempenhar a função de diretor regional e desenvolver a modalidade em
Santarém. Foi nos Caixeiros que encontrou uma casa para a modalidade.
“O clube tinha comprado três mesas mas não tinha ninguém
para jogar nem para promover, e eu fi-lo de bom grado”, relembra Rui Leitão. Na
memória transporta ainda os fins de tarde em que “ia abrir o ring dos Caixeiros
sozinho” à espera que alguém aparecesse para experimentar a modalidade.
A moda pegou e o Teqball cresceu exponencialmente, com o
distrito de Santarém a ganhar 13 clubes em pouco mais de seis meses, tornando-o
o mais ativo da modalidade em Portugal. O trabalho feito pelo desenvolvimento
da modalidade no distrito de Santarém e em Portugal levou-o a integrar a FITEQ,
onde desempenha o papel de diretor e representante dos jogadores.
Através do Teqball, Rui Leitão conta ao NS que já percorreu
o mundo e jogou em 27 cidades de 19 países de quatro continentes.
“Era impensável para mim chegar a esta fase da minha vida e
estar a viver isto”, afirma o atleta e dirigente mundial.
Estabelece dois grandes momentos que já viveu no Teqball –
jogar uma etapa do Circuito Mundial com o filho, em Los Angeles, nos Estados
Unidos e ter recebido o primeiro prémio de mérito da FITEQ, das mãos de
Ronaldinho Gaúcho.
Conta ainda que os Caixeiros já são conhecidos um
pouco por todo o mundo, e em muitas das provas que participam é comum ver
atletas que não pertencem ao clube, mas que envergam a camisola dos Caixeiros.
“Na Hungria, na etapa do Circuito Mundial, houve uma atleta
húngara, a Zsofia, que jogou com um atleta sérvio. Fizeram dupla e cada um
deles jogou com uma camisola dos caixeiros”, afirma Rui Leitão com a voz
embargada pelo orgulho.
A equipa tem ganho cada vez mais notoriedade a nível mundial
e é representada até por atletas no continente africano, nomeadamente nos
circuitos nacionais da modalidade na Nigéria e no Senegal. Rui Leitão contou
ainda ao NS que tem neste momento em mãos uma proposta para criar uma secção
dos Caixeiros no Uruguai, na América do Sul.
“Somos o Real Madrid do Teqball”, brinca Rui Leitão.
O Teqball como ferramenta social
Além da vertente desportiva e de competição, o Teqball tem
mostrado a Rui Leitão que o desporto pode, e deve, ser também uma ferramenta de
inclusão social e de desenvolvimento pessoal.
Relembra duas histórias de sucesso: A primeira é a de
um grupo de cinco atletas ucranianos que tinham viajado para Portugal para
competir numa prova do circuito mundial da modalidade precisamente na data em
que estalou o conflito na Ucrânia, impossibilitando-os de regressar à sua
pátria.
Ora, isto necessitou de todo um trabalho com a colaboração
da FITEQ para encontrar uma forma de realojar os jovens que traziam apenas os
bens necessários para um fim de semana que iam estar em Portugal a competir.
“Conseguimos alojá-los num hotel em Paris, onde iam voltar a
competir duas semanas depois de terem chegado a Portugal. Após esse tempo
conseguimos alojar dois dos atletas na Polónia”, relembra.
Sobravam ainda três atletas, a Nastia, a Iryna e o Dima. As
duas atletas que também são praticantes de futsal, integrando até a seleção
nacional de futsal da Ucrânia, foram integradas no plantel dos Leões de Porto
Salvo. O Dima Shevchuk acabou por ficar em casa de Rui Leitão, onde ainda
reside, é atleta dos Caixeiros e integra o top4 nacional de duplas e 43.º
classificado no ranking mundial.
Martim Vasques é, para Rui Leitão, outro caso de sucesso. O
jovem de 15 anos, que reside em Santarém,
chegou aos Caixeiros por influência de um amigo que começou a praticar. Rui
Leitão relembra que o percurso na escola não estava famoso.
“Quando chegou, em fevereiro, tinha cinco negativas e estava
em risco de chumbar o ano. Com algum trabalho em conjunto com os pais e com
algumas regras que impus aqui no clube, chegou ao fim do ano e passou”, explica
Rui Leitão.
Martim é uma das grandes esperanças dos Caixeiros, e é
apontado pelo dirigente como um dos atletas com mais futuro na modalidade.
Apesar de ter apenas 15 anos, joga no escalão de sub-19 com resultados bastante
positivos. Participou numa das etapas mundiais, que se realizou em Málaga,
Espanha, onde fez dupla com um dos grandes campeões da modalidade, com quem
conseguiu alcançar um terceiro lugar.
“Foi excelente, nunca tínhamos jogado juntos e só perdemos
contra a melhor dupla do mundo atualmente”, vinca o jovem atleta ao NS.
Ainda esta época o jovem vai participar no Europeu de sub-19
e lança-se a grandes objetivos, assumindo que vai para ganhar.
Martim Vasques passou pelo futebol como a maioria dos
jovens, mas quando descobriu o Teqball depressa percebeu que era naquela
modalidade que iria conseguir ter oportunidade de mostrar o que vale.
“No futebol ia ser só mais um entre muitos e com certeza não
iria ter a oportunidade de me bater com os melhores do mundo, que é algo que já
faço com frequência aqui”, vinca o jovem atleta, o primeiro à esquerda na
fotografia.
Cooperação e entreajuda são o que diferencia a modalidade
Apesar de recente, a modalidade tem ganho muitos adeptos e
praticantes e, a par do Padel, é o desporto que mais cresceu a nível mundial. O
facto de ser uma modalidade relativamente simples no que toca ao acesso – uma
mesa e uma bola é praticamente o necessário para se praticar – e o facto de
abranger um leque variado de idades são alguns dos fatores que contribuem para
este crescimento.
Acompanhámos um dos treinos da equipa
escalabitana,
no pavilhão desportivo da antiga Escola Prática de Cavalaria e conversou com
alguns dos atletas. João Dias, de 60 anos, é um dos mais velhos. Com um passado
ligado ao futebol distrital, passando por várias equipas do distrito de
Santarém começava a sentir que “o campo estava a ficar cada vez maior”, algo
que não sente no Teqball.
Apesar de intenso e competitivo, a modalidade não implica
corridas infinitas num campo de cerca de 100 metros, nem o contacto físico que
existe em qualquer partida de futebol (ou outros desportos de campo), tornando
o desgaste físico dos atletas muito menor. Isto faz com que a modalidade seja
muito mais abrangente em termos de idade. João Dias já competiu em várias
etapas do circuito mundial e já enfrentou os melhores do mundo, algo que nunca
esteve sequer perto de atingir no futebol.
Outra das particularidades do Teqball é o espírito de
colaboração e entreajuda que se vive na modalidade, seja entre atletas, seja
entre adeptos. João Dias conta ao NS que apesar de já se ter debatido com os
melhores do mundo, que reconhece estarem “claramente muitos níveis acima”,
nunca se sentiu humilhado nem sequer desmerecido pelos adversários.
“Muitas vezes até dão dicas mesmo durante o jogo e ajudam a
que sejamos melhores. Claro que dão o melhor e querem ganhar o jogo, mas isso
também é respeitar o adversário”, afirma.
Outro exemplo deste espírito de colaboração é a presença de
Filipa Martins no treino dos Caixeiros que o NS acompanhou. A atleta integra a
equipa do Grupo Recreativo de Olival de Bastos, mas esteve a treinar com a
equipa escalabitana – algo muito pouco comum noutros desportos.
A atleta, que também pratica futsal, explica que é
raro isto acontecer noutros desportos, porque o foco é melhorar internamente e
ter um atleta de outro clube a treinar é revelar as táticas e estratégias.
A atleta afirma ainda que os outros desportos deviam por os
olhos no Teqball e aprender um pouco com o espírito da modalidade,
especialmente os adeptos.