(Foto: Lusa)
"Comecei a sentir que estava na hora de deixar a
guitarrinha, que nunca vou deixar. Quem começa a brincar com este instrumento
aos 6 anos é impossível largá-lo", disse o músico, em entrevista à agência
Lusa.
O espetáculo de despedida dos palcos, "Lisboa
Saudade", está marcado para 13 de setembro, às 21:00, na Praça do
Município, em Lisboa, com os convidados Carminho e António Zambujo, a sua
discípula Marta Pereira da Costa, o quarteto de cordas Naked Lunch e os seus
músicos habituais, Ciro Bertini, no baixo e acordeão, e Tiago Oliveira, na
viola.
Antes do concerto, hoje às 18:00, na Casa Comum, em Lisboa,
é apresenta a sua biografia, "O Abraço da Guittarra", de autoria de
Moema Siva, com a presença de Chainho, do músico Ciro Bertini e do cineasta
Tiago Figueiredo, que está a preparar um documentário sobre o guitarrista.
Com cerca de 60 anos de carreira, Chainho afirmou à Lusa que
um dos motivos que o levou a tomar esta decisão foi quando notou problemas no
dedo indicador da mão direita, "que é base para tocar".
"Nas coisas que eu aprendi com os grandes guitarristas,
nas mais complicadas, aí já sinto uma certa dificuldade", disse o autor de
"Voando sobre o Alentejo", comparando os dedos de um guitarrista às
pernas dos corredores. "Eu estou a sentir agora os problemas dos quase 90
anos de idade".
António Chainho nasceu a 27 de janeiro de 1938 em S.
Francisco da Serra, em Santiago do Cacém, e conseguiu a proeza de gravar um
disco, "O Abraço da Guitarra", depois dos 85 anos.
"Eu não tenho conhecimento de alguém que tenha gravado
depois dos 60 anos, O Carlos Paredes ainda tentou gravar, e em relação aos
outros guitarristas não tenho conhecimento de alguém que tenha gravado depois
dos 80 anos", disse.
António Chainho recordou os primeiros passos que deu na
aprendizagem da guitarra portuguesa, o seu instrumento de eleição, de objeto de
brincadeira, também por influência do pai "que tinha magníficos
dedos", aliando o seu "bom ouvido musical", escutando as
melodias que ouvia na rádio, por aqueles a quem chama os seus mestres,
Armandinho, Raul Nery, Jaime Santos, entre outros.
"Eu ouvia sempre a rádio, e tinha bom ouvido, e
recordo-me de estar a brincar com os meus amigos e, de repente, tinha ouvido um
programa na véspera e tentava reproduzir o que tinha ouvido, e o meu pai, que
tocava as modinhas populares, às vezes dizia-me 'ó filho isso não tem jeito
nenhum', eu tentava explicar-lhe como podia, mas foi sempre uma ajuda muito boa
que eu tive do meu pai, que tinha a facilidade de tocar certas coisas, que
depois comecei a fazer", contou à Lusa.
O serviço militar obrigatório levou-o a Lisboa, onde
contactou diretamente com o meio fadista, "estreando-se" em meados de
1960, numa casa de fados na Praça do Chile, onde tocou ainda "vestido à
magala" e saiu em ombros, tal o êxito alcançado, como contou à Lusa.
Cumpriu o serviço militar em Moçambique, e regressou, quando
se deu o seu encontro com o seu conterrâneo Carlos Gonçalves (1938-2020), autor
das músicas de "Lavava no Rio, Lavava" ou "Lá Vai Maria",
de autoria e criação de Amália Rodrigues.
Carlos Gonçalves convenceu-o a ficar no seu lugar na casa de
fados Retiro da Severa, onde permaneceu cerca de seis meses, mudando-se depois
para o restaurante O Folclore, também em Lisboa, que era apoiado pelo então
Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI).
O restaurante fechava às 23:30, o que permitiu a Chainho
frequentar outras casas de fado, no Bairro Alto, que encerravam entre as 03:00
e as 04:00, tornando-se mais experiente e conhecido.
Nesta altura, gravava discos "praticamente todos as
semanas", pois tinham muita saída junto das comunidades portuguesas,
explicou.
Iniciou uma carreira de acompanhante e, a determinada altura
porque "não tinha tempo para estudar" as melodias e compor, optou por
acompanhar os fadistas Carlos do Carmo (1939-2021) e Frei Hermano da Câmara,
durante mais de 20 anos, e também, "mas menos tempo", Teresa Tarouca
(1942-2019). Mais tarde, trabalhou com Rão Kyao, com quem fez o álbum
"Pão, Azeite e Vinho" e realizou uma digressão.
"Foi muito bom trabalhar com o Rão Kyao, fizemos
bastantes espetáculos, ele admirava-me muito. O trabalho do Rão não tem nada a
ver com a área de fado, mas ele apaixonou-se pelo fado através do pai que
gostava muito de fado e era amigo da Amália, e ele começou a ir a casa da
Amália. Era um músico já muito conhecido e evoluiu muito quando esteve em
França", disse à Lusa.
A lista de músicos que acompanhou e com quem gravou é vasta
e inclui nomes como Maria Bethânia, Adriana Calcanhotto, Marta Dias, António
Calvário, Paco de Lucia, John Williams, María Dolores Pradera, José Carreras,
Jürgen Ruck, Pedro Abrunhosa, Paulo de Carvalho, Ana Bacalhau, Sara Tavares ou
Rui Veloso.
O músico reconheceu que sentirá saudades da carreira à qual
põe termo, mas continuará "a tocar para os amigos" e a acompanhar a
escola que ostenta o seu nome em Santiago do Cacém.
Chainho orgulha-se de ter incentivado a abertura de uma
escola de guitarra portuguesa em Santiago do Cacém, no distrito de Setúbal,
apesar das críticas de colegas que lhe disseram para se deixar disso.
"Dei conhecimento a colegas meus que disseram 'deixa-te
disso, isto já é pouco para nós, quanto mais outros guitarristas'",
contou. Chainho pensa o contrário, pois quanto mais instrumentistas houver
"mais a guitarra portuguesa se tornará conhecida".
"Tudo o que sabia fui transmitindo", disse o
músico, que afirmou nunca ter tido problemas por surgirem novos valores.
"Sempre ajudei, e nessa escola há já alunos a tocarem temas muito
complicados".
"Hoje temos guitarristas jovens e com muito talento e
estou muito feliz", enfatizou.
Referindo-se ao seu trabalho como compositor, António
Chainho disse à Lusa que "tem muito a ver com a intuição".
"Eu tocava Armandinho, Jaime Santos e todos esses
grandes guitarristas, mas através deles eu fui aprendendo, e fui procurando
melodias, até que a certa altura, comecei a gravar, tinha um gravador pequeno,
gravava aquelas coisinhas e a partir daí ia trabalhando os temas, e
entusiasmei-me e comecei a trabalhar e a tentar compor coisas, eu pensava que
não conseguia, mas consegui a minha maneira de tocar, que é um pouco
diferente".
Sobre a sua criação musical, afirmou que reflete
"mestiçagens, fruto dos contactos com as músicas do mundo".
"Tenho procurado traçar novos caminhos para guitarra
portuguesa", assegura. E conclui: "A minha música reflete as muitas
viagens que fiz, os músicos com quem contactei e com quem trabalhei. Procura o
respirar as músicas do mundo".
Chainho vai continuar a compor. "Estou sempre a compor,
eu todos os dias pego na guitarra, começo por fazer escalas, e se me sai alguma
coisa diferente, tento gravá-la e, passados alguns dias, se vejo que tem
condições para completar, vou trabalhando nesse tema até alcançar os meus
objetivos".
Apontado como "um dos virtuosos da guitarra
portuguesa" pela "Enciclopédia da Música em Portugal no século
XX", António Chainho foi condecorado pelo Presidente da República, em
março de 2022, com o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Da sua discografia, que se iniciou em 1975 com
"Guitarradas", fazem parte álbuns como "Guitarra
Portuguesa" (1977), "A Guitarra e Outras Mulheres" (1998), que
foi gravado por Bruce Swedien, "LisGoa" (2010), que contou com a
participação de Natasha Lewis, Sonia Shirsat e Remo Fernandes, "Entre
Amigos" (2012), com intérpretes como Camané, Ney Matogrosso e Fernando
Alvim, e "Cumplicidades" (2015).