(Foto: Noticias ao Minuto)
Durante três dias, entre 12 e 14 de julho, a
arqueóloga Alexandra Figueiredo trabalhou a 100 metros de profundidade com
Cláudio Monteiro, também arqueólogo e conservador, e com o antropólogo Daniel
Alves no Algar da Malhada de Dentro, no subsolo da freguesia de Nossa Senhora
das Misericórdias, em Ourém, numa missão integrada no projeto MEDICE II que foi
cumprida com êxito.
"Estivemos dentro da cavidade a quase 100 metros de
profundidade, conseguimos extrair os vestígios tal como estava planeado e tudo
foi fantástico", disse a investigadora principal e professora do Instituto
Politécnico de Tomar.
Alexandra Figueiredo realçou "o apoio dado pelo grupo
de atividades especiais de espeleologia da Liga para a Proteção da
Natureza", que permitiu que "nos sentíssemos completamente tranquilos
e seguros", debaixo de terra, durante três dias, numa pesquisa
arqueológica que aconteceu pela primeira vez em território nacional.
Sob condições difíceis, o trabalho revelou-se "física e
psicologicamente exigente", ficando a equipa "sem noção do
tempo". Daquela "cavidade muito fria, com humidade sensivelmente
entre os 95 e 100% - chovia onde estávamos", foram trazidos vários ossos
para a superfície.
"Exumámos um conjunto de ossos humanos, de vários
indivíduos, e de diferentes tipos de animais também, desde coelho, lebre, cabra
e temos também duas hastes de veado, o que nos aponta para uma certa
antiguidade", notou a arqueóloga.
O número de indivíduos encontrados não está ainda
determinado. Contudo, "verificámos que temos adultos e crianças", um
indicador de que "não estamos ali perante somente um contexto, mas
vários".
Os vestígios osteológicos serão encaminhados para
laboratórios associados do MEDICE II, que envolve sete universidades - duas
estrangeiras - e cinco centros de investigação, entre outras instituições. A
coordenação está a cargo do Politécnico de Tomar, Universidade Autónoma de
Lisboa e associação CAA Portugal.
O projeto pretende reconhecer comportamentos, cultos e
rituais das comunidades da pré-história recente, que habitaram o território há
cerca de seis mil anos, e ainda estudar comportamentos associados a crenças e à
relação com a morte. "Se quisermos comparar, para quem não tem em mente a
cronologia histórica, podemos referir que é aquele período em que a Bíblia fala
de Abel e de Caim, filhos de Adão e Eva".
Durante os três dias no Algar da Malhada de Dentro, a equipa
experimentou um pouco do que os antepassados dos atuais humanos sentiram.
"Não é fácil dormirmos com aquela humidade, que se
entranha nos ossos, e com um frio que gela tudo. Imagino o que seria os nossos
antepassados pré-históricos a viver dentro de cavidades assim. Acredito que lá
fora fosse ainda mais difícil, no Paleolítico e na época das glaciações",
afirmou a investigadora, ainda a recuperar da experiência.
"Foi um pouco isso que sentimos: ver que não tínhamos
um céu estrelado, mas um maciço de 100 metros sobre nós. É uma sensação
diferente...".
No regresso à superfície, ficaram "muitas questões por
responder". Serão tratadas ao longo do MEDICE II, que se desenvolve
durante quatro anos. Atualmente decorrem outras intervenções na Anta da
Azurrague e na Lapa da Furada, sítios arqueológicos na freguesia de Alburitel,
também em Ourém.
No sábado, na Junta de Freguesia de Alburitel, com o apoio
desta autarquia e da Câmara de Ourém, é realizado o II Seminário Internacional
do Património Arqueológico "Ourém no centro do conhecimento", com
participação de vários especialistas nacionais e estrangeiros. A partir das
15h00 são apresentados à população resultados da expedição ao fundo do Algar da
Malhada de Dentro e o MEDICE II.